sexta-feira, 21 de agosto de 2009

HARMONIA FUNCIONAL

HARMONIA FUNCIONAL: UMA DEFINIÇÃO

O termo Harmonia Funcional tem apresentado uma utilização variada, em nossos dias.
Se faz necessária, a meu ver, uma discussão sobre esse tema.
Para isso, apresentarei aqui uma panorâmica sobre as palavras: Harmonia e Função.
O objetivo é o de definir o campo, entender quais são os pressupostos à teoria, para
melhor entender o termo.

HARMONIA

1. Algumas definições:

A Harmonia é o resultado da combinação simultânea de sons diferente . Com o termo harmonia, se indica a área da teoria musical que estuda o encadeamento dos acordes e suas função dentro da tonalidade .
Enquanto a primeira é uma definição geral, a segunda já introduz o termo função. Sem
dúvida, essa é uma definição recente e mais “técnica”.
É importante ressaltar que o conceito de Harmonia foi algo mutável no decorrer das
épocas.
Em um artigo de 1969, o teórico e musicólogo alemão Carl Dahlhaus escreveu: “Harmonia” significa combinação entre diferentes ou entre contrários. A explicação e o fundamento da harmonia foram buscados, até o século XVII, nas proporções numéricas da tradição pitagórico-platoniana.
Na tradição pitagórica, a ciência harmônica, fundamentada em um fenômeno físicoacústico
(a divisão aritmética da corda do instrumento chamado monocordo) propicia
um modelo metafísico de representação racional do universo.
Na Idade Média, o conceito de harmonia era aplicado à melodia, tratando das consonâncias
e dissonâncias entre os intervalos melódicos. Somente no final do século
XV, graças ao trabalho de teóricos como Tinctoris e Gaffurio, a harmonia pára de se
relacionar às esferas do universo, para fazer parte da prática musical, definindo os
critérios sintáticos que regulam os encontros simultâneos do discurso “musicalmente
significante”. A partir desse período, o conceito de harmonia foi aplicado, então, aos
aglomerados verticais.
Gaffurio admite como harmonias somente as consonâncias de três sons, e não as de dois. Essa limitação não significa, porém, uma antecipação do conceito de harmonia “em sentido moderno”. No século XVI se estabelece definitivamente a harmonia composta por terças sobrepostas.O tratado de harmonia referencial dessa época é o do italiano Gioseffo Zarlino,
Institutioni Harmoniche, de 1558. À base de sua teoria, rigorosamente matemática,
está a definição dos modos maior e menor, de consonância perfeita e imperfeita.
Já no século XVIII, Rousseau escreve que “Harmonia, segundo os modernos, é uma
sucessão de acordes que seguem as leis da modulação”, indicando assim a existência
de uma teoria de encadeamento de acordes. (Rousseau, Dictionnaire de musique,
Parigi 1767).
Do século XVIII até os nossos dias, junto ao termo harmonia, há o aspecto da didática.
Testemunho disso é o nome dos tratados alemães, por exemplo: Harmonielehre =
Teoria da Harmonia.

2. A Primeira teorização da harmonia

A primeira tentativa de teorização da harmonia se refere ao, assim chamado, baixo
numerado (ou cifrado, que era a notação do baixo contínuo feita colocando números e
alterações que indicavam a formação do acorde a ser realizado). Aqui, o ponto de partida
é a nota mais grave, e a numeração serve para indicar os intervalos que, sobrepostos
ao baixo, formam o acorde. Essa “teoria” indica, na verdade, somente o aspecto quantitativo, a estrutura intervalar do acorde em relação ao som do baixo. A “teoria” não explica o significado de cada nota em relação a um acorde, e não explica nada sobre o acorde considerado como
tal. Na verdade, não se trata de uma verdadeira “teoria da harmonia”, já que não considera
a sucessão e o encadeamento entre os acordes. O conceito de baixo contínuo
indica três aspectos: a) uma técnica compositiva; b) uma praxe executiva; c) uma teoria.
Nesse último caso, “estudar o baixo contínuo” significa, para um estudante da
época de Bach, estudar a harmonia e, portanto, aprender as estruturas compositivas
para a própria atividade criativa.

3. A revolução

O fundador da moderna ciência da harmonia é o francês Jean-Philippe Rameau. No
seu Traité de l’harmonie réduite à sés príncipes naturels, de 1722, ele introduz a idéia
de uma Tonart, definida pela sucessão dos acordes de “dominante”, de “subdominante”
e de “tônica”. Podemos traduzir o conceito de Tonart como Tonalidade, composta
pela somatória dos acordes que participam de sua constituição. Só que para
Rameau, Subdominante e Dominante não estão vinculados ao IV e V graus dos
acordes da escala, mas sim a uma tipologia de acorde. A idéia de Rameau é que os
acordes de sétima (por exemplo ré-fá-lá-dó) constituem acordes de “dominante”;
acordes compostos por uma tríade mais uma sexta adjunta (sixte ajoutée) constituem
os acordes de “sousdominante”.
Dahlhaus explica que:
A grande revolução desse período foi a idéia que um acorde constitui, por si mesmo,
uma “entidade dada”, e não simplesmente uma combinação de intervalos resultante do
encontro das linhas melódicas. O acorde como “entidade”, então, tem uma sua função
dentro de um determinado contexto.Para Rameau, tanto a sixte ajoutée quanto a sétima (que adicionada a uma tríade, compõe uma tétrade) são dissonâncias. O seu sistema teórico é caracterizado pela motivação de progressões de acordes através das dissonâncias.
A teoria de Rameau oferece muitas outras considerações interessantes, como, por
exemplo, o fato dele contribuir grandemente para que se fixasse a idéia que um acorde
e suas inversões contêm a mesma fundamental. Antigamente, o acorde de terça e
sexta era considerado um acorde composto por três notas independente da primeira
inversão. Bach começou a utilizar o acorde de terça e sexta como inversão do acorde,
com um baixo diferente da sua fundamental. Mas será necessário chegar à época clássica
para que se tenha uma univocidade de interpretação e de utilização desse acorde
–a de acorde invertido. Rameau coloca o conceito de “Basse Fondamentale”, ou seja
“Baixo Fundamental”, com o qual indica o “baixo real” de um acorde invertido.
Da teoria de Rameau nascem duas linhas diferentes, que constituem as teorias que
tratam de Função harmônica, ou função tonal, no sentido moderno: 1) a “Teoria dos
Graus”; 2) a “Teoria Funcionalista” de Hugo Riemann.

4. A Teoria dos Graus

Ao alemão G. Weber se deve o tratado de composição referencial do período romântico,
Versuch einer geordneten Theorie der Tonsetzkunst, de 1817. Ele foi o primeiro
que ligou o Baixo Fundamental com a sobreposição de terças das tríades e tétrades
sobre cada grau das escalas maiores e menores. Os graus foram indicados com os
algarismos romanos, em maiúsculo para as tríades maiores e em minúsculo para as
tríades menores. Uma indicação particular indicava a tríade diminuta.

Dó ré mi FÁ SOL lá si
I ii iii IV V vi °vii

A distinção entre maiúsculo e minúsculo foi sucessivamente esquecida, passando a se
indicar tudo com maiúsculo. A Teoria dos Graus põe a atenção nos graus da escala e
apresenta duas vantagens, em comparação à Teoria do Baixo Contínuo:
1) A descrição harmônica é independente do movimento do baixo. Esse é reconduzido
aos sons fundamentais.

2) A descrição harmônica é sempre válida sem que se precise notar um determinado
som no baixo. As cifras dos graus são confrontáveis com os números algébricos.
Foi uma idéia de E.F. Richter a de combinar a numeração romana da Teoria dos Graus
com os algarismos arábicos do Baixo Contínuo, em seu Lehrbuch der Harmonie, de
1853.
Dentro da linha da Teoria dos Graus, em 1853-54, Simon Sechter escreve o Die
Grundsätze Der Musikalischen Komposition. A grande contribuição de Sechter foi a de
ter traçado um “modelo ideal” de progressão harmônica, cujas fundamentais estão ligadas
por quintas descendentes:

I-IV-VII-III-VI-II-V-I

O quanto mais próximo à Tônica conclusiva acontece um salto na progressão,
mais ele será decisivo. [...] O salto V-I é maximamente decisivo; o II-V
um pouco menos; o VI-II menos ainda, assim como ainda menos o III-VI.

etc.. até chegar ao salto IV-VII, que é o mais fraco de todos. O peso, a “importância”
de um salto fundamental e dos graus que ele liga, dependeria da sua vizinhança com
a tônica, medida por quintas. A crítica principal que foi movida à Teoria dos Graus organizada
por Sechter, foi a de que o movimento IV-I sempre foi, historicamente, muito
presente na literatura, constituindo um salto (ou cadência) forte; ele parece ser um
salto muito mais forte do movimento IV-VII ou VII-III. Outro problema apresentado pela Teoria dos Graus é que ela não faz distinção entre a “importância” das tríades maiores, menores, diminutas. Será necessário esperar a Teoria Funcional para que se coloquem como tríades principais somente a maior e a menor. A Teoria dos Graus atribui a maior importância à escala, em cima da qual está fundamentada a tonalidade. A progressão de quintas [I-IV-VII-III-VI-II-V-I] que passa por todos os graus da escala, constitui o paradigma para a completa realização da tonalidade. A simbologia de Richter, que junta algarismos romanos e arábicos, foi a adotada por Schöenber e Schenker, que nunca acolheram a terminologia Funcionalista proposta
por Hugo Riemann.

5. A Teoria Funcional

A Teoria Funcional surge com Riemann em 1887; sua primeira finalidade é a de construir um sistema capaz de entender e codificar a linguagem harmônica sempre mais
complexa que, a partir da época clássica, veio se desenvolvendo. Primeiro e mais importante axioma dessa teoria é o da existência de três únicas categorias de acordes (T-S-D). Todos os acordes de uma composição podem ser reconduzidos a uma das três funções. Pelas notas dos três acordes é possível deduzir a escala [Do-Mi-Sol, Fa-La-Do, Sol-Si-Re = Do-Re-Mi-Fa-Sol-La-Si]. Os acordes e suas relações são dados; as escalas resultam derivadas por eles. A teoria funcional tenta reconduzir a análise harmônica a uma só tonalidade, localizando o grau de um acorde dentro dela e estabelecendo, assim, a estrutura desse acorde. Inovadora é, também, na visão de Riemann, a equivalência e especularidade dos modos maior e menor. Esse último é explicado, por Riemann, recorrendo à idéia da existência dos harmônicos inferiores. A teoria funcional se propõe a explicar todos os acordes através de afinidades de quintas e de terças. Assim, a antiga Tonart, passa a ser substituída pelo conceito de Tonalität, que se estende a todos os acordes diretamente
reconduziveis às três harmonias principais (para ter uma idéia de como a teoria funcional consegue dar símbolos a todos os acordes, veja a tradução do artigo de Ernst
Kunst, mais a frente).

6. Conseqüências da evolução da linguagem a partir da metade do século XIX

A Teoria dos Graus, assim como a Teoria Funcional de Riemann,, se acham em dificuldade
diante da linguagem musical da metade do século XIX. Nessa época o aumentar
das implicações cromáticas e o progressivo enfraquecimento do sentido tonal implicam
na busca de novas teorizações.
Se Schoenberg e, sucessivamente, Schenker não seguem a simbologia riemanniana,
essa acha novos seguidores até os nossos dias. Por exemplo, o Harmonielehre (Manual de Harmonia) de Diehter De La Motte de 1976. Todavia, é importante ressaltar que a utilização da simbologia riemanniana é usada por De la Motte no seu manual somente a partir da época de Bach e até a Ópera, não recusando ele o uso de outros instrumentos nas circunstâncias em que se fazem necessários.
A partir dos anos 80 se assiste a uma retomada da corrente riemanniana, agora denominada neo-riemanniana, representada por autores como David Lewin, Brien
Hyer, D. Kropp, M. Mooney, Richard Cohn.

FUNÇÃO TONAL

Vejamos, pelas palavras de Norton Dudeque, o que é Função Tonal:

Norton Dudueque, pesquisador sobre a teoria schoenberguiana, tem escrito a respeito
da Função Tonal em Schoenberg. Segundo ele, acordes. Envolve sim uma rede de relacionamento bastante complexo entre notas, acordes e regiões. Notas individuais atuam como elemento melódico capaz de expressar uma tonalidade, adquirindo deste modo sua função tonal.
Os acordes por sua vez, expressam sua função através da sua fundamental.
Ambos elementos, notas individuais e acordes, são incluídos na noção de
região tonal que considera segmentos escalares para estabelecer a relação
entre duas ou mais tonalidades.

Geralmente, são identificadas duas teorias distintas na sua concepção e que se
ocupam da questão da função tonal. Algumas vezes estas são consideradas
contraditórias mas na realidade são complementares13. A primeira refere-se a
teoria tradicional, herdada de teóricos do século XVIII e XIX (por exemplo de
Gottfried Weber e Georg Joseph Vogler), que diz respeito a redução de acordes
a sua posição fundamental, tendo as fundamentais dos acordes assinaladas
com algarismos romanos relacionando-os desta maneira com a tônica. A segunda,
a "teoria funcional" de Hugo Riemann, que tenta reduzir as funções de todos
os acordes de uma determinada tonalidade a apenas três principais: T, S, D.

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